terça-feira, 19 de novembro de 2002

CRÍTICA: PRENDA-ME SE FOR CAPAZ / Aceita um cheque sem fundo do Leo?

Finalmente estreou um filme digno de nota por aqui. Estou falando de "Prenda-me ser for Capaz", título com o qual ainda não me acostumei porque me remete à "Agarra-me se Puderes", uma comédia constrangedora com o Burt Reynolds. Então vou chamar "Prenda-me" de "Ketchup", uma homenagem ao nome original da mais recente empreitada spielbergriana.

A mais recente e talvez uma das mais diferentes e impessoais do grande diretor. Sim, eu assumo: Spielberg é um grande diretor. Não é por ele ser biliardário ou por ter cometido coisas como "Hook" e "Amistad" que ele deixa de ser um gênio. Quem fez "ET" e "Caçadores da Arca Perdida" não precisava ter feito mais nada, mas o sujeito é persistente. Os anos 90 foram duros pra ele, mas agora ele mais ou menos recuperou a boa forma. Achei "Minority Report" bárbaro, se bem que não se parece com um filme do Spielberg. Digo o mesmo de "Ketchup".

Tá, bárbaro é exagero. Com praticamente duas horas e meia, "Ketchup" é longo demais. Meia hora a menos cairia bem. Mas a história de um menino de 16 anos que enriquece fraudando o sistema bancário é cativante. O filme levinho se baseia numa autobiografia do personagem, que existiu de verdade. Existiu em termos, sabe como é Hollywood. Parece que o carinha real não fugiu de casa. Tampouco existiu um único agente federal a perseguir o guri. Portanto, todas aquelas legendas do fim são pura galhofa. É de novo aquele negócio: quase sempre, filme que enche a tela com legendas explicativas reflete a preguiça do roteiro em encontrar um desfecho melhorzinho.

Quem faz o agente é Tom Hanks, que aparenta estar se divertindo bastante com as filmagens. Não é legal quando os astros não apenas ganham milhões de dólares pra trabalhar, mas também se divertem na labuta? Agora, quem está a anos-luz do habitual é Christopher Walken. Ele interpreta o pai do escroque-mirim. Walken é sempre intenso e perigoso. Ele é aquele da roleta russa de "O Franco-Atirador", o do relógio em "Pulp Fiction". Um cara muito estranho. Em "Ketchup", ele diminui o sentimentalismo de seu personagem, já que o público não confia no ator. A gente imagina, "ih, esse sujeito vai aprontar alguma". Por causa disso, suponho, ele foi nomeado pro Oscar de coadjuvante.

Claro que, se o filme tem charme, a responsabilidade é todinha do Leonardo DiCaprio. Inclusive, o título original viria a calhar pra uma biografia do ator. "Catch me if you can" tem mais de um sentido, vai além do "prenda-me". "Catch" também lembra pegadinha, que é justamente o que tentamos fazer com o Leo desde "Titanic". Não há ator mais visado que ele. A gente torce pra que o loirinho superstar fracasse, e foi por isso que ficamos exultantes com aquele desastre ecológico chamado "A Praia". Ele é gay? Ele ia se casar com a Gisele? Nessas perguntas a gente se esquece que o carinha é um excelente ator. Alguém lembra que ele foi indicado ao Oscar por "Aprendiz de Sonhador"? Tudo bem, ele fazia um deficiente mental, o que equivale a um pé no Oscar, mas ele foi saudado como o melhor ator de sua geração ao aparecer. Depois de "Titanic", tudo mudou. Do dia pra noite, ele virou ídolo das adolescentes e alvo número um de todas as outras faixas etárias. Pessoalmente, sou fã dele, assim como era do River Phoenix. Não pelo Leo ser bonitinho (qualquer mulher com mais de 15 anos que não queira adotar alguém acha sua aparência insossa), mas por ele, Edward Norton etc. serem muito bons no que fazem.

Bom, há vários momentos felizes em "Ketchup", começando pela abertura inspirada em Saul Bass, de uma época em que a TV jamais cortaria os créditos iniciais. E são engraçadas declarações como "pai, você sempre me disse que um homem honesto não tem o que temer, então estou tentando não ter medo". Mas o filme vai perdendo o fôlego até chegar ao final chinfrim. A gente admira o herói contraventor enquanto ele quebra as leis, não quando ele usa o que sabe pra ajudar o FBI e salvar os bancos. Danem-se os bancos!

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