quinta-feira, 12 de dezembro de 2002

CRÍTICA: AS HORAS / Hora de ir ao cinema

Quem diria! "As Horas" em Joinville! Justiça seja feita: com a prometida estréia de "Chicago" e "O Pianista" pro final da semana, todos os cinco indicados ao Oscar de melhor filme passarão na minha cidadezinha. Acho que será a primeira vez numa década que não precisarei correr pra Curitiba pra enfrentar uma maratona de cinema. Mas seria pedir demais pra que chegassem aqui "Adaptação" e "Far from Heaven"?

Vamos às "Horas". Seguinte: eu gostei muito do filme, mas o maridão mais que dormiu. Ele roncou. Na saída, ele acordou, esfregou os olhos e perguntou: "Que horas são?". É só ir ver um drama mais artístico pro pessoal acostumado a Van Damme pegar no sono. Seria exagero afirmar que "As horas" voa, mas até que o filme flui. Passa-se em três momentos: em 1923, na Inglaterra, Virginia Woolf começa a escrever sua obra-prima, "Mrs. Dalloway". Em 1951, em Los Angeles, uma dona de casa contempla o suicídio. E, na Nova York atual, uma editora prepara uma festa pro seu melhor amigo, um escritor aidético. É praticamente isso, um dia na vida de três mulheres. As histórias se intercalam pra revelar mais da personalidade e da influência de Virginia (o título se refere ao nome provisório do romance de Virginia, que é também sobre o dia de uma mulher preparando uma festa).

"As Horas" já tem início com Virginia cometendo suicídio. Depois demora um tantinho pra (re)começar. Dá pra ver que é o filme mais literário do ano, baseado num livro vencedor do Pulitzer e tal. Este verniz todo atrai a Academia, que aproveita pra mostrar que Hollywood não faz apenas terrorzinhos sobre adolescentes sendo decapitados. "As Horas" foi indicado a nove Oscars, e deve levar alguns. Quantos? Só Deus sabe. Talvez uns três ou quatro. A estatueta de melhor atriz já é de Nicole Kidman, que interpreta Virginia. E agora vamos aos clichês referentes ao filme que encontrei na imprensa americana. Clichê 1: pelo menos metade das críticas especializadas se intitulam "Quem tem medo de Virginia Woolf?" ou usam algum trocadilho com Woolf e lobo (wolf, em inglês). Clichê 2: todas, invariavelmente todas as resenhas, dedicam linhas e mais linhas à prótese nasal que Nicole colocou pra fazer a nariguda Virginia. Cá entre nós, quando os críticos se concentram num nariz, é sinal de que nunca leram Woolf, né?

Como não quero falar do nariz da Nicole, gostaria de salientar que o roteiro de "As Horas" é muito bom. Seria uma saída fácil recorrer à narração em off, mas o roteirista David Hare não faz isso. Stephen Daldry, diretor de "Billy Elliot", mostra-se um belo diretor de atores. Mas, convenhamos, dirigir monstros sagrados como Nicole, Julianne Moore e Meryl Streep não pode ser tão difícil. E olha que essas grandes atrizes nem estão tão brilhantes como o inglês Stephen Dillane, que faz o marido de Virginia. Pra mim, é dele a melhor interpretação de "As Horas". Num outro papel coadjuvante vem Ed Harris, que estaria perfeito, se não fossem os maneirismos.

Pensando bem, todos os intérpretes são coadjuvantes aqui. O personagem principal mesmo deve ser a música de Philip Glass. Normalmente odeio trilhas sonoras insistentes que inundam a tela, mas gostei do piano de Glass. Ele confere densidade dramática e consegue unir as tramas paralelas. Não que não haja outros paralelismos. Por exemplo, nos três momentos, todas as protagonistas beijam outras mulheres na boca. Um ovo é quebrado em cada época, essas coisas. Ninguém explica porquê.

O maridão reclamou que, toda vez que ele acordava, alguém tinha morrido. Mas não é bem assim. É verdade que, sempre que as palavras "ninguém foi mais feliz que nós" são pronunciadas na tela, esta é a senha para uma tragédia. Mas "As Horas" está longe de ser um dramalhão. Eu me guio pelo fator lacrimal. Se eu, uma mulher em plena TPM, só derramei duas solitárias lágrimas no final, é porque não é um dramalhão. Este talvez seja o erro do filme – poderia ser mais arrebatador. Saí do cinema com uma certeza: "Fale com Ela" é o melhor filme do ano.

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