segunda-feira, 26 de novembro de 2001

CRÍTICA: NÁUFRAGO / Eu levaria o Tom pra uma ilha deserta

Bem que eu adoraria dizer sobre "O Náufrago" que entrou areia, que o filme naufraga, que o Tom Hanks exagera na arte solitária de manusear pauzinhos, entre outros trocadilhos infames, mas desculpe, não vai dar. É que gostei deste drama. E muito. Acho difícil alguém não gostar ou não se identificar com a aventura vivida pelo Tom.
Tom Hanks é possivelmente, junto com o outro Tom, o Cruzeiro, o ator mais popular do planeta. Com seu tipo comum e de bom moço, ele está caminhando a passos largos para seu terceiro Oscar. Encantou em "Filadélfia" e levou a segunda estatueta consecutiva naquela barbada garantida de representar retardado que foi "Forrest Gump" (como Dustin Hoffman por "Rainman" e Geoffrey Rush por "Shine", pra ficar em dois casos. Não sei se o Benigni de "A Vida é Bela" se encaixa nesta categoria). Tom está tão bem em "Náufrago" que a gente até esquece que ele recebeu uns US$ 20 milhões para engordar 15 quilos e depois emagrecer 25. Enfim, a gente esquece que ele é Tom Hanks, e isso não é nada fácil. Duvida? Por quantos segundos você se esqueceu da Julia Roberts e se concentrou na Erin Brokovich? Chegou a três?
Em "O Náufrago", como o próprio nome diz, Tom faz um carinha ocupado demais, a serviço do capitalismo, sem tempo para nada, que acaba sozinho numa ilha após um trágico acidente de avião. Obviamente, o filme é infinitamente melhor quando Tom está em alto mar, não em terra firme. Suas cenas na ilha, que dão mais de uma hora, são formidáveis. Não há diálogos, só monólogos, grunhidos e um monte de silêncio. Na ilha deserta, a única companheira de Tom é uma bola de vôlei – aliás, super simpática. E põe deserta nisso. Não tem nada na ilha, nada de insetos, pássaros e tubarões, só uns peixinhos. Em um minuto na minha cozinha o Greenpeace encontra mais formigas que em um século de ilha.
O filme, além de criar empatia imediata com o espectador, é também didático. Aprendemos o que já desconfiávamos desde "No Limite"": que côco (pelo amor de Deus, repare no acento no primeiro o) é laxante e que a alimentação num lugar cheio de palmeiras não é das mais gratificantes. Euzinha aqui, que não suporta peixe, côco (olha a pronúncia!) e mariscos, e que não conseguiri
a produzir fogo em mil anos, morreria de fome. Ou perderia mais peso que o Tom.
O merchandising da empresa de entregas FedEx é irritante, apesar do diretor Robert Zemeckis jurar que não cobrou um centavo. Mas mesmo isso ou a propaganda da marca da bola de vôlei é fichinha perto do verdadeiro merchandising de "Náufrago", que é: sempre vá ao dentista. Depois de assistir a este filme, nunca mais iremos adiar aquela consulta. Outros produtos que devem ter ações em alta são canivetes suíços e isqueiros. Aposto que o pessoal os carregará na próxima viagem.
A gente sente pena do Tom, mas também pensa: o que é pior, passar a vida numa ilha deserta ou d
entro de um avião, na maior correria, no ritmo frenético do mundo moderno, levando encomendas pra lá e pra cá, sem poder ficar com a família nem no Natal? Tudo bem que o projeto da ilha seria mais atraente se não fosse tão deserta e se houvesse lá alguns livros, uma plantação de cacau e pronta produção de chocolate, sem mencionar um frigobarzinho, mas, no fundo, o personagem do Tom já era um náufrago bem antes de cair no mar. Como todos nós.
O legal de "O Náufrago" é que todas as situações parecem bastante reais. As ondas são mais autênticas e amedrontadoras que as de "
Mar em Fúria", por exemplo. A pilha de uma lanterna acaba, fato inédito em Hollywood. Anoitece e chove na ilha. Só faltaram os insetos. Agora, alguém podia me explicar como, em um filme com tão poucos diálogos, a legendagem consegue ser uma das piores dos últimos tempos? A tradutora escreve "acender" com "sc" (homenagem à Santa Catarina?), e erra todas as expressões idiomáticas em inglês. Talvez eu possa usar um dos meus trocadilhos, afinal. Em "O Náufrago", a tradução FedEx. Ih, essa foi de doer.

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